quarta-feira, 15 de maio de 2013

15M: ruas e redes


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     A elite carioca está em festa. O projeto de cidade global, feito de megaeventos, megaobras e um gigantesco aparato midiático, festejado em palanques e coquetéis, regado a banquetes e intermináveis celebrações, avança a pleno vapor. BOPE, UPP, Choque de Ordem, Recolhimento Forçado e Remoções, a velha receita contra pobre, preto, índio e qualquer um que ouse resistir. Pobre daquele que ouse ser diferente ao que se espera do trabalhador brasileiro para o século 21, constrangido a tudo e sem real direito a nada, senão à degradação da vida na iniquidade cotidiana dos  transportes, hospitais, escolas, na precariedade no trabalho, renda insuficiente, sem direito sequer a manifestar-se livremente pelas ruas. Tem de se submeter a tudo e não reclamar de nada, permanecer competitivo num mercado inclemente, surfando na onda do desenvolvimento.
Em nome do Rio novo-rico, pintado pelo mais modernoso paisagismo, terra de ávidos empreendedores e sagazes investidores, desse Rio dourado e suas grandes parcerias público-privadas, em mais uma expressão da histórica camaradagem de elites nacionais e internacionais. Reúnem-se no projeto e modelo “de cima a baixo” de uma imagem do Rio, por meio da qual se continua a explorar, oprimir, expulsar, criminalizar, internar, prender e matar. Sim, e matar, na guerra sem quartel dirigida ao pobre, especialmente o jovem negro.
O Rio é laboratório metropolitano do Brasil Maior e do capitalismo mundial. Está dando certo; recuperamos o glamour perdido para Brasília, somos o point da década, vitrine da superação do atraso. Nada será como antes. Está dando certo; anunciam todos os jornais, revistas e a TV, que repetem a mesma coisa: a roupa, a pose, o rosto, a voz, a seriedade profissional do colonizador e seu sorriso de orelha a orelha. Nenhuma elite mundial persegue com mais fanatismo a mais caricata identificação com os colonizadores. Nesta década, o abismo que separa os altos dirigentes do grosso da gente se fez tão descarado, concrecionado à estética de governo e empresarial. Uma empresa rigorosamente colonial com ares pós-modernos e discurso radical-chiquê, uma superfetação do Brasil nacional-desenvolvido prestes a nascer.
Do urbanismo de amplos espaços da Zona Oeste à superexploração intensiva da Zona Sul, da higienizada Área Portuária às militarmente pacificadas favelas e áreas pobres, em estádios imponentes erigidos sobre o despejo e a destruição, em internatos, hospícios e abrigos; a pilhagem das riquezas da população é garantida e prospera. E multiplica o lucro, sob novas direções, oportunidades e negócios: mais publicitária, mais plastificada, mais “criativa”, mas nem por isso menos brutal. Seu maior sucesso foi tornar-se palatável à esquerda e à direita, justificável pelo interesse coletivo ou individual, pelo empreendedorismo ou pela sustentabilidade, por qualquer desses bordões que aparecem, aos cachos, nos eventos oficiais. Antigas violências assumem novas formas com o bando imobiliário, assumido abertamente, sem pudor, com a empáfia de saqueador orgulhoso.
Enquanto parte do que se define como esquerda patina sobre a miséria de seus trabalhos de base, suas estratégias, formulações e alianças, com uma consciência política que se mostra exímia em capitular diante das primeiras e míseras ofertas; a cidade dos pobres insiste em resistir, na fusão impossível de suas raças inferiorizadas. Essa cidade não é representada em nenhuma dimensão imaginável: cultural, estética, política ou juridicamente. Ela não existe para o novo Rio, não pode existir. Então se recria na luta cotidiana por outra cidade. Outra cidade que já existe, um presente prenhe de potencialidades, uma cidade pulsante e insubmissa, no Horto, na Providência, nos Prazeres, na Vila Autódromo, em tantas e tantas pessoas, grupos, coletivos e redes, informais, precárias, batalhadoras, com o que a vida da metrópole se reinventa em mil outras maneiras de organização, produção colaborativa e afirmação minoritária. Um desejo de viver diferente, desejo que é imediatamente imaginação, e que se movimenta na realidade, que é suplemento de democracia, o viver mesmo: insurgindo-se contra o medo, interrompendo o passo do colonizador, recusando a propaganda, cuspindo na mão esperta que, sob a promessa do progresso, continua roubando, ferindo e humilhando.
A luta avança por caminhos inimaginados e faz do sofrimento uma reafirmação firme de propósito. A condição de luta não cala. Sem a indignação, a persistência em existir e a alegria construtiva, sequer haveria favelas, funk, samba, ritmos, festas, letras, teatros, danças: não haveria a energia de um inconsciente cultural a plena extravazão, rio caudaloso e subterrâneo, inestancável, de onde se extraíram e continuam se extraindo todas as dignidades e saberes vivos desta cidade, esses tão cobiçados por quem agora se apresenta como dono do pedaço.
Neste 15M, venha tramar redes e ocupar as ruas com a gente, porque o tempo e o lugar da resistência não cessaram de existir. Venha conectar-se às redes da cidade viva e seus índios metropolitanos. Pela reorganização do espaço e reocupação do tempo que propiciem forças para continuar lutando por tudo isso, por direitos, renda, condições de fazer cultura e mundo, por outra distribuição da moradia e outro paradigma urbano de transporte e ciruclação; por uma paz verdadeira que só pode ser a da alegria compartilhada, sem medo, sem receio de ser livre.
Pela cidade que queremos e que fazemos, das menores coisas às decisões sobre o que afeta a todos, e sem projetos mirabolantes para um futuro de vidas arrasadas, mas aqui e agora, pelos muitos, nunca depois, agora.


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