sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Caranguejo


Caranguejo da Rua da Aurora — Recife-PE



José Bernardino é pescador desde a sua infância e atualmente sustenta sua família com aquilo que é retirado dos mares e eventualmente dos mangues. Não estudou muita coisa, mas não tem dúvida ao ver os olhos de seus cinco filhos de que a comida tem ficado escassa por aquelas bandas. O número de peixes tem diminuído demais e o de pescadores não. Quando seus ancestrais se fixaram por ali, àquela terra era chamada na língua dos índios de “mãe”, mas também poderia ser conhecida como “paraíso”. Todas as noites ele e sua esposa rezavam para o Senhor dos senhores, para que ele iluminasse as pessoas daquela região e a regasse novamente a terra.

Certo dia voltando do mar, descontente por conta de uma péssima pesca, foi catar alguns caranguejos. Uma hora depois, com apenas três pequenos crustáceos, ao partir para a feira, subitamente uma estranha luz azul resplandeceu da lama e ali enfiando sua mão retirou um enorme caranguejo. Nunca havia visto um daquele tamanho. Retornou do mercado, mas decidiu não vender aquele estranho animal para mostrar a sua família. Soltou-o no quintal e algo incrível aconteceu, pois aquele bicho andava para frente e para trás. Acreditou ser um sinal de deus.

E estava certo.

Confiou ser um período de esperança.

E estava inteiramente enganado.

Nos cinco dias seguintes nada pescou ou catou do mangue. E não apenas ele, mas praticamente a maioria dos seus amigos. Na rede, apenas lixo. A situação se agravou pela enfermidade de sua esposa. Não teve outro jeito senão vender o caranguejo especial. Procurou um senhor bigodudo, dono de um restaurante chique no centro da cidade e comprador dos melhores frutos do mar, o qual dá um irrisório valor de centavos por bicho. Argumentou com o dono do restaurante, que o animal em questão merecia um valor melhor por ser bastante especial. O sujeito sequer deu bola para o fato daquela coisa não andar apenas para o lado. Pagou algumas notas por ele. Bernardo saiu imediatamente dali e subitamente uma dor se apoderou de seu peito, chorou e quis voltar para buscar o caranguejo… Tardou demais e resolveu seguir para a farmácia e comprar o remédio de sua amada. Ela ficou bem melhor.

No luxuoso estabelecimento, antes de os caranguejos irem para o aquário, os donos junto ao cozinheiro chefe vistoriavam todos os bichos em busca de falhas e lhes colocavam pequenos rótulos. A partir desse ponto, o preço deles subia em aproximadamente 200% no mercado. Apenas uma criança desconfiada percebeu no aquário o grande caranguejo se locomover para frente do espelho. Seus olhares se encontraram numa telepatia. Ninguém soube o que ocorreu.

Alguns instantes depois uma família rica destroçou-o junto a outros crustáceos ao molho de camarão, bebericando refrigerantes. Sucos gástricos e fortes dores insurgiram em todos no dia seguinte. Nunca mais voltaram àquele restaurante. O menino telepata ficou calado por três dias seguidos e diante de um psicólogo ao qual fora levado com emergência pelos pais preocupados, conseguiu balbuciar algumas palavras:

— Estamos todos condenados.



Esse conto faz parte do livro “Prisão Amarela” pela Editora Multifoco que será lançado em breve.

Thiago Mendes 

Nenhum comentário:

Postar um comentário